fevereiro 27, 2012

A triste História de Jorge do Có, por Fz!



Aos que forem ler: pessoal, desculpe-me pela delonga, o texto ficou bastante grande, mas acredito que valerá a pena. Obrigado.

A triste história de Jorge do Có

Poderia muito bem ser uma tragédia grega, mas acredito que até mesmo os gregos ficariam constrangidos em escrever tal história. Penso que até mesmo em sociedades tribais, ou até mesmo indígenas exista um acordo tático sobre a tolerância em relação à violência gratuita.

Jorge do Có, nosso herói, era apenas mais um brasileiro que, como bem descreveu Ariano Suassuna em O Auto da Compadecida: “sofre pelo pão de cada dia”. Pois é, mas neste dia 05 de junho deus estava, como sempre, dormindo em seu “trono dourado” e Jorge do Có estava cansado.

Então ele, um brasileiro nascido na miséria, criado na imundície, filho da ignorância, resolveu se vingar. E Xapuri, terra onde viveu e morreu Chico Mendes, novamente “chorou”, como diz uma famosa música da cultura acreana. Jorge do Có se revoltou contra sua condição deplorável, permeada pelo anafalbetismo, misticismo e abandono. O Estado, assim como deus, nunca ligou para ele. Então por que Jorge tinha de se importar?

Assim como Osama, Jorge agora era livre, ele podia finalmente se vingar contra todos os “culpados” por suas mazelas. A única diferença entre esses dois monstros era o inimigo a destruir.Explico-me: Osama acha que o inimigo é o ocidente; Jorge não. Ainda assim há uma semelhança entre os dois, o seu deísmo, que os une inexoravelmente. Ambos ficam de rabo para o céu em “louvor” a sua deidade que, embora imaginária, guia e justifica seu atos. Osama tem Alá; Jorge, demônios.

Ah, Jorge, onde você estava com essa sua poesia concreta-determinista da vida real? Este seu “neo-pós-modernismo” macabro? Você deve ser o “orgulho” do papai. Lembra-se dele ou prefere esquecer aquele “cara” que só te espancava e nunca se importou contigo? Aquele que bebia, assim como você bebe hoje, para esquecer por algum momento sua condição miserável? E mamãe, Jorge, aquela que te chamava, carinhosamente, de “estorvo” e “atraso de vida”? Você pensou neles quando perpetrou seu ato brutal tecendo sua “obra de arte” do absurdo?!

Acredito que sim, afinal você sentia-se um deus: o poder do bem e do mal; ninguém mais ousaria lhe dizer não. Correto Jorge?! Nem mesmo aquele “patrão” filho da puta que te pagava um salário de fome e fazia você ter que escolher entre, ou beber da cachaça mais barata, ou se alimentar. Dizia, quando você pedia aumento, que você não era qualificado para um emprego que remunerasse melhor. Aconselhava-o a estudar. Quem era ele para chamá-lo de BURRO?!

Estudar?! Estudar não era coisa para Jorge do Có não! Afinal de contas havia sempre o Lula para ajudar com os “Bolsas Esmolas” da vida. Estudar “pra quê”, não é Jorge, se com aqueles 15 reais “per filho” dava muito bem para não passar “tanta fome”! Até porque vocês viviam no meio do mato sem direito a saneamento básico, escolas, água tratada mesmo no meio da maior bacia hidrográfica do mundo ou mesmo, quanta bobagem, saúde básica! Logo você que vive na linha da miséria! Ir ao médico é coisa de veado não é Jorge?! Mesmo quando todos os dentes da sua boca caíram e você passou a usar dentadura, quadro agravado por seu corpo esquálido somado à má alimentação.
Ah, Jorge,será que você pensou nisso tudo? A pergunta chega a ofender. Não consigo deixar de pensar: bom, para o governo, 45 reais é uma “pechincha” para deixar o “povão” brasileiro calado e excluído de todo e qualquer serviço de social.

O que você pensou, Jorge, quando finalmente decidiu matar a sangue frio? Diga-me, Jorge, eu sou um cidadão consciente e vou levar suas reclamações e tormentos às autoridades para que isso jamais se repita.

Jorge, então, gagueja, seu português é sofrível. O “Estado” é um conceito demasiado complexo para ele. O que é este tal de Estado, talvez me pergunte ele. Direi, para que ele entenda, que são “os políticos” que ele elege de 2 em 2 anos, como “representantes” de sua vontade. Este, basicamente, Jorge, seria o Estado de direito democrático. Esqueço-me, porém, que hoje em dia todos os brasileiros estão desiludidos com a política e Jorge pragueja: - “É puliticu?”, e concluí: “Tô fudido então!”

E Jorge do Có segue seu destino rumo ao Seringal Boa Vista com uma espingarda calibre 20 em mãos; ele terá sua vingança! “Chega!”, exclama “nosso herói” – “não serei mais humilhado”. E Jorge canaliza sua fúria contra as pessoas que deveria amar; pessoas indefesas. Jorge, todavia, nem imaginar que o Estado (do qual, lá na frente, irá precisar novamente) criou também instituições para massacrá-lo e depois puni-lo. Porém, como já vimos acima, a própria idéia de “Estado” é inatingível para Jorge do Có.

Assim Jorge, tal qual Osama, lança seu ódio contra os inocentes, já que o Estado que o “massacra” não pode ser “varrido” do mapa. Osama matou milhares, foi até onde “podia” (até agora) e não se pode dizer que o “rapaz” não teve trabalho, tendo em vista que perpetrou o maior atentado terrorista da história. Mas voltemos ao “nosso herói”.

Osama tinha dinheiro “à vontade”; Jorge não. Jorge, como sabemos, só tinha sua calibre 20. Seguiu então com seu “plano redentor”. Ah, pensou Jorge, “agora eles veriam”; ele iria fazê-los pagar! Pagar por todas as ameaçadas ignoradas. Afinal de contas, Jorge já não havia espancado várias e várias vezes a esposa e os filhos?! Quem era ela então para deixá-lo, logo ele, o GRANDE Jorge?! Ele, um DEUS, um MESSIAS do caos?! Eles aprenderiam que com JORGE DO CÓ não se brinca!

Ele se aproxima daquelas 5 pessoas. Seu ex-sogro, a única figura “ameaçadora”, aquela que talvez poderia impedi-lo, é logo alvejado pelas costas. A primeira demonstração de coragem de nosso herói. Assim, Jorge, após tornar-se um assassino pensa: “alguém ouviu o disparo, tenho que ser rápido, pois a polícia logo virá!”

É, Jorge, você agora cruzou uma tênue linha que separa “pobres coitados” de monstros sem escrúpulos. Mas antes de fugir você queria terminar sua vingança. Jorge do Có volta-se então para o enteado de 4 anos e degola-o com veemência. MAS VOCÊ QUER MAIS NÃO É JORGE?! Você tornou-se um deus agora, aliás, você é maior do que o próprio deus que inventaram para você. Você tem o poder sobre a vida e a morte! Você vê então seus dois filhos e pensa: “vou atingi-la ainda mais, não bastam apenas o pai e o filho bastardo daquele cara que comia ela antes de mim, tem que ser como aquela propaganda que vi na televisão de um banco do qual jamais serei correntista: COMPLETO!”

A mãe, desesperada ao ver o frio assassinato do pai e de um dos filhos, observa agora o ex-marido decepar a mão de seu filho e dar um “tchau” com aquela mãozinha inerte, como se fosse seu “brinquedo” novo. Jorge delira! É seu “gran-finale”. Será que aquela mãe lembrou das ameaças, como Jorge queria, ao ver seu filho sendo mutilado? Terá ela refletido sobre planejamento familiar? Talvez, porém recordou que sua religião não permite o uso de contraceptivos. No que mais você pensou, mãe?!

Ah, você fez a única coisa que “animais” acuados fazem evolutivamente, por instinto diria eu; você tentou proteger o que restou de sua cria. Isso fez com que você também e libertasse, não foi mãe?!

Contudo, isso não foi necessário, pois Jorge, nosso herói, em seu delírio grandiloqüente, saiu, nos meandros incompreensíveis de seu ato selvagem, correndo e exibindo o troféu recém conquistado.

As lágrimas brotaram novamente em Xapuri e a população revoltada queria MAIS SANGUE. Jorge agora vira nosso “G-zuis”, e o “Sinédrio” quer seu sangue!

Jorge, que havia se escondido na casa de um parente, tem que fugir para a mata, pois os próprios parentes começam a denunciá-lo, já que também temem a turba que está sedenta por mais sangue. Jorge torna-se o antagonista, é o “outro” agora, e tem que ser purificado! O povo quer sangue! A população procura juntamente com a polícia, é uma comoção social.

Com medo de morrer linchado, nosso anti-herói, enfim, termina sua epopéia recorrendo justamente a um aparelho do mesmo Estado que sempre o massacrou: a polícia. Jorge se entrega e é rotulado pela imprensa local como “O Monstro do Seringal”. Jorge, durante o espetáculo da tragédia humana, ri no momento de sua prisão, pois agora ele é “famoso”. O apresentador que entrevista Jorge ao vivo, pergunta os motivos que o levaram a tais atrocidades. O apresentador não se contentando com suas explanações, irrita-se com seu ar de “descaso” com o fato ocorrido. Ele, o pobre apresentador, não sabe que Jorge se libertou! Nosso anti-herói é um DEUS agora!

As fotos do “sorriso” estampam todos os jornais da manhã seguinte. Em outro programa Jorge é lembrado por um repórter que “os presos na penal não serão tão bonzinhos quanto a polícia”. Nosso anti-herói acorda finalmente de seu sono profundo. Em sua cabeça, como que num turbilhão, passam imagens dos presos espancando-o, violentando-o e, depois de mais um espetáculo animalesco como o presenciado no Urso Branco, em Porto Velho, ele será decapitado ou esquartejado talvez. É o mesmo medo que sempre o fez crer em DEUS, aquele velho e bom medo da morte que nos faz sobreviver.

O sorriso da ignorância se esvai e, repentinamente, deixou de “ser engraçado” para Jorge. Talvez ele até tenha “ouvido falar” do massacre no Urso Branco ou tenha acompanhado o caso Isabella Nardoni. Então, nosso anti-herói, pela primeira vez desde que saciou seu desejo de sangue, treme, um calafrio lhe corta o “espinhaço”, como dizem os acreanos. Ele percebe agora a gravidade do seu delito e “cai em si”. O que Jorge faz então?! Sai-se com a única coisa que sua mente religiosa consegue imaginar: “Eu estava possuído pelo demônio... e chora...”

P.s.: Aos que terminaram, meu muito obrigado e espero que tenham apreciado o texto. Gostaria que comentassem para que pudéssemos discutir melhor assuntos como este, antes que fique tarde demais. Vejo que teremos de nos acostumar a ver no Brasil casos como este, atrocidades como esta. Até quando?! Esta, meus caros, é a pergunta de "1 milhão de reais..."

Felipe Zanon