fevereiro 27, 2012

Ama teu próximo, como eu.



Numa manhã qualquer, um garoto meio barrigudo e moreno, queimado de sol, vem com cheirinho de pão. A cesta, cheirando a suor, traz a dor do trabalho diário. A entrega do pão, um favor aos pais, rouba-lhe a infância ao passo que lhe dignifica enquanto homem. Um adulto pueril de sete anos. Aquela manhã, com jeito de cotidiano, disse-me ao ouvido algumas verdades, e procurei não deixá-las ir com o crepúsculo. O menino amigo meu, amigo de todos, amigo do trabalho principalmente, era amado pelos pais.

Tudo bem que o Pai abandonou-lhe pelo alcoolismo, mas lhe restou a mãe a pespegar-lhe asneiras mescladas com amor. E cresceu nosso matutino menino. Cresceu tendo visto um mundo que jamais conheci, e por isso o amo enquanto igual. Igualmente diferentes, observamos o mundo através de prismas distintos. Fomos criados assim, como dizia um docente, e não HÁ como mudar-nos o juízo. A mãe, abandonada pelo alcoolismo e pela concupiscência do marido, escolhe servir a deus. Servir-lhe de lavagem de roupa, servir-lhe de comida caseira. Servir-lhe de todas as coisas possíveis, contando que servisse bem ao Senhor.

Ensinou o filho a servir igualmente, primeiro o pão, depois o povão. Era um servo de deus, nosso menino matutino. Ferrenho e fervoroso, um leão de tribo de Judá, nosso servidor vai servindo. Serve de riso para uns, de juiz para outros. Ele é aquele que mede o tamanho da saia e exige zelo à instituição virgindade. Seu martelo é judicioso, seu conhecimento bíblico fantástico. Diz nosso menino matutino: “de um questionário contendo 900 questões sobre a Bíblia, escolha quatro a esmo e acertarei (e acerta mesmo!)”. Um verdadeiro Dr. das Leis. e deus fala pelos lábios deste neopentecostal.

Todas as noites do nosso cotidiano, lá estão eles falando. Falando de coisas medievais, confabulando jihads, em todos os dias do nosso cotidiano. Eles estão aqui ou no Afeganistão, vendo soldados americanos, ou servindo pães. Ah, o cotidiano, amigo inseparável da rotina. A rotina de ver cadáveres e pães. A rotina de sol a pino, seja aqui como lá. O que significa a COP15, a conferência da inércia, frente a este COTIDIANO. E, mesmo assim, o que se vê nos jornais, nas revistas? A mente humana cria juízes todos os dias, advindos da consciência. A realidade, esta professora, transmuta-os em “meninos-matutinos”, ou “homens-bomba”.

É quando estes “recados” do cotidiano chegam a nós, que lembramos que eles aconteceram, que estavam lá todos os dias e nós não enxergamos. Daí percebemos atônitos que na verdade não ligamos para o dia-a-dia da nossa própria existência. Esquecemos o Collor roubando, enchendo as burras junto ao PC Farias, que acabou sendo assassinado pela verdade. Num lapso, os acontecimentos do painel desapareceram, e elegemos Arruda. Quando vejo uma rã, tenho vontade de chorar, pois lembro de vossa excelência lá no senado com meu dinheiro.Todos os dias isto acontece, mas é a história que julga, por isso a inventamos, o juiz dos juízes.

O historiador, o juiz do passado, por meio de sua visão, dá veracidade aos fatos (vide Marcos Vinícius e o endeusamento ptista, ou a Partilha da África). E enquanto palestinos e israelenses continuam a se matar, nós dizemos que foram suas realidades que engendraram isto. Todas as manhãs, palestinos eram humilhados por judeus que, num sentimento de puro revanchismo, descontavam nos mais fracos o desprezo ocidental (lembrem-se que a Europa tentou  jogá-los na ARGENTINA!!!). Aí o historiador diz: meu povo, olhe para as manhãs destes meninos, no que vocês achavam que isso iria resultar? Em minha singela opinião, geralmente dá em estatística. Tantos por cento, crime. Tantos por cento, culto religioso fundamentalista mais próximo. Tantos por cento, estudo parco e emprego público. Tanto por cento, morte e desaparecimento (nos camburões da vida). Tantos por cento... bom, tantos por cento nos tantos por cento que mesmo um historiador não pode prever.

Pensei em terminar aí o texto, pois todo autor conhece quando o ponto final surgiu. É seu arremate, seu final. Mas desta vez eu perorei sem escrever o que me motivou a narrar esta história. Tive medo, talvez, pois ninguém gosta da verdade. A dúvida do corno realmente é: saber se quer saber. Eu comecei a escrever sobre este grande amigo, um homem que muito estimo, pois acho que suas manhãs já foram escritas há muito tempo, num aforismo nietzcheano.

Em crepúsculo dos Ídolos, Nietzsche, pontuou: ama a ti mesmo - então todos te amarão. Princípio do amor ao próximo. Segundo Nietzsche, a compaixão nada mais é do que hipocrisia. Dawkins, por sua vez, afirma que a compaixão é puro egoísmo travestido. Nietzsche, filósofo, diz o que ela é para nós. Biologicamente é casual, cotidiana, como o macaco que tira os piolhos dos outros para que tirem os seus e não por compaixão do imundo (acho que o inventor do hábito era o mais piolhento, inclusive). Filosoficamente, é inerente a tudo que é humano. O desejo de poder e potência, ou egoísmo, é tudo; de resto, temos as manifestações deste cotidiano na vida, como por exemplo a compaixão.

Em seu aforismo, Nietzsche, peremptório, diz nas entrelinhas: “igrejas são reuniões de massas para enriquecimento de poucos. Ou seja, o “amor ao próximo” é intrínseco ao “amor a si”, pois quem fica rico são os “líderes” (ou guias, reis magos, etc.). O povão fica mesmo é trabalhando (não que eu seja socialista, LONGE disso), seja na Idade Média, Moderna ou Contemporânea (não que eu seja contra, em absoluto). Queria que o epílogo deste ensaio fosse iniciado no ano 5042. Se Nietzsche  e cia. estiverem corretos, como racionalmente creio, uma outra história poderá já fazer parte da História.

“O homem conquista a via-láctea (“pegar carona esta cauda de cometa”...), a fronteira inicial”. O “conquistador” da via-láctea, certamente um dedicado terráqueo de uma manhã qualquer, verá seu nome escrito para sempre nas páginas dos livros acadêmicos. E é aí que o filósofo entraria, pois mesmo olhando para tais feitos, como um casmurro resmungaria: “mas quem é este homem? É bom? Deve ser lembrado deveras? Eu chamaria este cosmonauta de “o mais curioso homem dentre os viventes que saciou nossa curiosidade”. Mas ele usou nossa engenhosidade para matar a sua curiosidade. Tivemos sorte de serem ânsias análogas.

Isso, embora não demonstre o que geralmente ocorre, é um exemplo de egoísmo simbiótico, ou o bom e velho “uma mão lava a outra”. Entretanto, quando o único objetivo é ser lembrado (por qualquer coisa, mesmo aparecer no BBB, ou criar um tópico inútil), é justamente aí que reside o perigo. E quando (e isso é raro), o único objetivo é o enriquecimento pessoal, ou o enriquecimento dos seus, a reprodução dos seus valores? Haveria preço para isto? Assim, imaginei o menino matutino como o Jesus pequenino que, na ânsia de ajudar, acabou com um martelo pregando coisas medievais e mentirosas.

P.s.: peço perdão às mulheres pelo uso excessivo do masculino, por acaso, nasci homem.
Mulheres, no chifre, são vítimas; os homens, culpados.


#Fz!