Quando você morreu, mãe, a única coisa que fui capaz de
fazer foi escrever o final deste texto, o último parágrafo. Não me senti,
naquele momento, ainda pronto para a ciranda de sentimentos que me assombravam.
Mas ontem, as tantas coisas que vc me dizia fizeram sentido e finalmente pude
começar um texto que já havia perorado.
‘Felipe, vc quer ser a palmatória do mundo’? Ontem, como um ‘grande
amigo’ Lenine me falou, ‘seu babaca’, ‘vc leva a artilharia consigo’, e eu fico
aqui deitado em berço esplêndido. Um outro grande ‘amigo’, Jorge Neto me chamou
de MAURICINHO. Foi quando a verve surgiu mãe, pois neste exato momento, como um
relâmpago, tua vida passou pelos meus olhos.
Lembra mãe, quando vc ministrava aulas de manhã de tarde e
de noite (e como diz a canção do Gabriel O Pensador, ‘chego em casa ainda
corrijo prova!’) para nos sustentar? Lembra como vc tinha problemas respiratórios pelo giz,
cigarro e tudo o mais que acompanha uma rotina dura. Lembra mãe quando vc
adoeceu e teve de ser aposentada por invalidez? Lembra mãe quando vc me pedia
para ir logo trabalhar para não dar tanto trabalho?
Eu lembro. Eu lembro que aos 19 anos entrei na Polícia
Militar, porque eu sabia que precisava trilhar meu caminho, pois tua saúde e
teu bolso não suportavam mais o peso de 3 filhos. Lembro da casa simples,
lembro de que nada nos faltou, pois tua garra e força feminina sempre foram
inexoráveis.
Lembro de outras tantas coisas ruins, que não cabe lembrar agora, porque acima de tudo, mesmo distante, radicado no Acre, longe de minha família, mesmo assim, os amei. E agora, mãe, o parágrafo que guardei para ti:
E eu não sei se vc no seu último suspiro, vc conseguiu me
perdoar, pois ontem eu a perdoei. E neste momento de dor, existindo ou não uma
‘além vida’, eu, eterno refém das escolhas que fiz, trago comigo as palavras de
Goethe: ‘mesmo na lembrança deve se apagar completamente’. A Rainhas está
morta, viva a Rainha!